Esse post é bem pessoal. O que eu irei relatar aqui é minha experiência com a saúde pública da Austrália, em Perth onde moro, relativa a minha segunda gravidez. Outras pessoas podem ter tido experiências diferentes. Já escrevi sobre o sistema de saúde em geral na Austrália, como funciona e minha experiência com gravidez e parto em hospital particular.
Após aquela gravidez linda e tranquila da minha filha e o parto perfeito, do jeito que eu sonhei, assim que descobri que estava grávida de novo imaginava que dessa vez o parto seria ainda mais tranquilo e mais rápido. A obstetra falou a mesma coisa. Se o primeiro foi rápido, o segundo poderia ser mais rápido ainda. Eu me imaginava começando trabalho de parto em casa e quase nem chegando no hospital.
Porém, como muitas vezes na vida e na maternidade mais que nunca, as coisas não acontecem como planejado ou esperado. Contratamos uma doula brasileira (maravilhosa e que foi fundamental nesse momento da nossa vida), e seguimos em frente. com a programacao. Marquei com a mesma obstetra que cuidou do parto da minha filha. Com 14 semanas fizemos um ultrasom para descobrir o sexo do bebê e claramente conseguimos ver que era um menino, Daniel. Um de cada, “par de pombos” (pigeon pair), como chamam aqui. A vida era boa.
Até as 20 semanas de gestação, tudo ocorria exatamente igual a minha primeira gravidez. Visitas mensais a obstetra, exames e ultra-som a cada visita. Até chegarmos nas 20 semanas quando tudo mudou.
Fomos para um dos ultrasons mais importantes e foi quando nossa vida mudou: a pessoa que faz o ultrasom não é o médico mas um técnico especialista em imagens. Bem, a tecnica viu algo, e pediu para esperarmos para falar com o médico. Enquanto esperavamos na recepção eu sentia que minha vida estava prestes a mudar. O médico que nos deu a noticia que nosso menino tinha um tumor no final do coccix. Um tumor que já estava grande e aprendemos que é imprevisível, pode aparecer em qualquer crianca.
Dissemos adeus para a nossa querida obstetra pois em casos de gravidez de risco, problemas no bebê, somos encaminhados ao Hospital público referência no Estado com os melhores e mais especializados médicos. Os times de especialistas são separados de acordo com suas formações e especialidades. Fomos encaminhados ao “Golden Team”, que cuida dos casos mais delicados, e a sua líder, que nos encaixou na agenda caótica naquele mesmo dia. Veja bem, daqui para frente todo o atendimento e tratamento foi público.
O King Edward Memorial Hospital é o hospital da mullher em Perth. Referência no Estado, cuida da saúde da mulher em geral, e onde acontecem (quase) todos os partos de risco. Eu já tinha tido uma experiência negativa em 2016 aqui e confesso que me deu calafrios em pisar de novo no hospital. Mas tinha fé que seria diferente.
Na primeira consulta conhecemos a médica Obstetra e soubemos que meu bebê tinha um pequeno (que se tornou imenso até o nascimento) problema de saúde, imprevisível e que poderia colocar sua vida em risco. E naquela quinta feira de janeiro, me foi oferecido aborto, às 20 semanas de gestação. A médica, muito delicadamente, explicou a situação e disse “existe a opção de aborto, se vocês quiserem”. Quando negamos enfaticamente, ela respirou aliviada e disse “ótimo, eu preciso legalmente oferecer, então agora vamos as opções aqui”.
Ela calmamente explicou e nos disse que nos veriamos dali duas semanas para monitorar o bebê. Dali duas semanas estávamos nós cheios de dúvidas e medos, mas com uma fé que transbordava o hospital. Conhecemos as parteiras e enfermeiras da equipe que fizeram toda diferença durante toda gestação, parto e depois. Também nos foi oferecido acompanhamento regular com psicólogos.
A cada consulta faziamos ultrasom para medir o tamanho do tumor e ver o estado de saúde de nosso bebê. Tudo ia até que bem, até que de 26 para 27 semanas o tumor triplicou de tamanho e as chances de um parto prematuro se tornaram claras. Dali para frente, cada semana era importante para aumentar as chances do meu bebê sobreviver. As parteiras da equipe foram maravilhosas e nos acalmavam e davam suporte, e eu tive que parar de trabalhar. E aqui, tenho que abrir um parenteses para falar do meu trabalho que foi mais humano e incrível que qualquer lugar que já trabalhei, oferencendo todo apoio e suporte para mim e para minha familia. E orações.
No início da 29a semana as coisas já estavam ficando bem complicadas. e na sexta-fera, dia 06.04 eu fui para consulta e ao fazer o ultrasom, meu bebê não estava mexendo e a obstetra resolveu fazer uma cesárea de emergência. Por sinal, agora com experiência de parto normal e cesárea, não entendo como alguma mulher consegue optar por essa cirurgia tão intensa.
Aquele foi um dos dias mais longos e aterrorizantes da minha vida. Nunca me senti tão vulnerável e tão forte. Acertamos quem ficaria com nossa filha mais velha e fui para a sala de preparação para o parto. Recebi visita da minha querida doula, Vivi, da psicóloga que veio me dar uma força e das parteiras lindas da equipe.
Na sala de parto, comigo estavam meu marido, duas parteiras (uma delas narrando tudo que acontecia) e mais muita gente entre pediatras, cirurgiões, anestesistas, cardiologistas, e enfermeiros. Eram mais de 20 pessoas na sala de cirurgia… Cada qual com sua função. Eu nunca na minha vida senti uma humanidade tão grande. Mesmo estando tão longe da família, eu me senti amparada por aquela equipe que estava fazendo o possível e impossível por nós. As 15:07 meu bebê veio ao mundo, lutando pela sua vida. Nós rezamos o tempo todo e vimos os médicos de um lado para o outro fazendo o possível por ele. As coisas estavam piores do que pareciam, tinha uma hemorragia no tumor, mas eles estavam lutando.
Tive um momento de desespero quando as enfermeiras me levaram da sala de recuperação para a UTI neonatal para ver meu bebê. As enfermeiras tirando foto nossa e me caiu que eles não achavam que ele sobreviveria e estavam nos dando memórias. Sempre, desde o dia que descobrimos o tumor, eu nunca deixei de acreditar que ele sobreviveria.
Nosso menino, Daniel, precisou de cirurgia no mesmo dia e ouvimos que ele precisaria de um milagre. Pois foi isso que a vida nos concedeu. Os cirurgiões foram incríveis e acharam a hemorragia e cortaram o tumor em uma hora e meia. Dali para frente começou a sua luta pela recuperação no mundo da UTI neonatal.
Depois da cesarea, fiquei 5 dias no hospital o que não é comum, normalmente no público são três dias. Como minha cesárea foi um pouco mais complicada, fiquei mais. Nesses dias, fui visitar meu filho todos os dias com meu marido vindo me buscar, mas se precisasse de taxi, o hospital pagaria. A psicóloga veio me ver três vezes, fisioterapeuta para falar da recuperação e até nutricionista e ainda recebi visita de toda equipe que estava no parto e uma chance imensa de agradecer.
Agradeci a cada um pelo trabalho humano e pela forma que minha familia foi tratada. Pelo excelente trabalho. E mantive contato com as parteiras do “golden team” e quando meu filho saiu da UTI, fomos visita-las. Foi uma daqueles momentos lindos da vida, emocionante. A obstetra comentou que eles não achavam que ele iria sobreviver e estavam muito felizes em vê-lo tão bem. Nós, somos o caso com final feliz, mas ficamos muito próximos de não ser como muitos outros.
Tive uma experiencia neste hospital em Perth, a dois anos atrás, perdi minha bebê, mas fui surpreendida com o carinho e a humanidade que fui tratada. Muito diferente de uma experiencia anterior que tive em um dos melhores hospitais de Porto Alegre aqui no Brasil.
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Sinto muito pela sua perda.
Sim, muita humanindade, ne? Eu me senti muito acolhida também
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